Acho difícil encontrar um bom filme que conte a história da vida (ou algo assim) de um escritor. Lembro-me de quando assisti Janela Secreta e pensei “P*##a! De alguma forma estragaram essa personagem, essa história e esse filme!”. Porque, não sei, sempre que Hollywood trata do tema, tenho a impressão de que falam do mesmo escritor sem graça, inumano, culto de um jeito meio estúpido, com a sensibilidade pendendo para a de uma menina na adolescência do que para, de fato, um artista. Pior então é quando o foco vai para um poeta.
Por isso acho Factotum um filme de bastante importância. Primeiro: tinha tudo para ser um gigantesco lixo. Segundo: não foi. Para mim já é o bastante.
Factotum é baseado no romance homônimo de Charles Bukowski. Conta a história de Henry Chinaski (Matt Dillon), um faz-tudo alcoólatra que, entre bebedeiras e mais bebedeiras,corridas de cavalo, porres titânicos e uma infinidade de empregos que são perdidos quase automaticamente, tenta seguir carreira como escritor. E não tem sucesso nenhum nisso.
A grande beleza do filme fica, principalmente, na forma como Chinaski é retratado. Ele é humano. Demasiado humano. Um homem vitimado pela própria vida, que seja. O seu relacionamento com Jan (Lili Taylor) é muitas vezes vulgar, violento. Assim como seu relacionamento com todo o mundo ao seu redor. A existência de Henry se desenrola num mundo por si só violento e sem sentido, o tipo de ambiente que destrói a alma de um homem. É só num cenário desse tipo que um sujeito como o protagonista conseguiria florescer, aliás. Porque ele – e isso é um paradoxo interessante – não pode ser derrotado por essa força inominável, então acaba derrotado naquela busca pelo sonho americano e pela vida perfeita. Por isso é um eterno desajustado.
Uma coisa bem interessante é que este personagem é o principal protagonista de Bukowski em suas histórias autobiográficas. Não quero entrar no mérito de se é ou não um personagem feito à imagem e semelhança física, moral ou psicológica do criador, mas é incrível como, sem precisar de nenhuma maquiagem para tornar feito como Bukowski (e ele era muito conhecido por sua feiura) ou como o personagem, Dillon conseguiu personificá-lo de maneira ainda incrível (e crível), apenas através dos trejeitos, voz, etc.
Factótum é um filme indispensável. Não por contar a história de um bêbado, ou por contar a história de um escritor. Mas por contar a história de um homem.
E, apenas como um adendo, as duas músicas de Dadafon para a trilha sonora, poemas de Bukowski, ficaram perfeitas.
O artigo acima foi escrito pelo nosso colaborador Marcelo Pierotti
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