Sorte que estamos em 2014 e posso escrever sem receios sobre o terceiro filme do cineastra brasileiro Glauber Rocha. Em 1967, já reprimidos após o Golpe Militar, o mundo é surpreendido com Terra em Transe.
Na verdade, essa surpresa já era pré-anunciada, pois, Galuber tinha demonstrado que não estava de brincadeira com Barravento (1962) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), seus dois primeiro filmes que já haviam chamado a atenção da crítica e de cineastras europeus. Caetano Veloso, no livro Verdade Tropical (de 1997 e publicado pela Companhia das Letras), comenta que o segundo filme de Glauber “excitou a todos com a possibilidade de um grande cinema nacional”.
Assim, Glauber Rocha encabeçou o movimento do Cinema Novo, no Brasil, defendendo “a criação de um cinema superior nascido da miséria brasileira como o neo-realismo nascera da indigência das cidades italianas no imediato pós-guerra” - como conta Caetano ainda no mesmo livro.
Levando em conta, então, a situação social e toda a revolução que esse filme trouxe para a época - vale a pena ressaltar também que: “Se o tropicalismo se deve em alguma medida a meus atos e minhas ideias, temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, em minha temporada carioca de 66-7.” confessou Caetano no livro.
Terra
Terra em Transe conta a saga de um poeta/escritor/jornalista/político/revolucionario - e o que mais você quiser. Paulo Martins é um personagem interessantíssimo, interpretado por Jardel Filho, que se vê devastado frente ao Golpe Militar. O poeta é cheio de frases de impacto, que podem te levar para alguma reflexão enquanto ele continua dizendo coisas importantes sobre a situação. O escritor e o jornalista são cheio de vontades, “quero escrever poemas, mas, sobre política”.
A parte política é valente e covarde, chega a agredir o representante do ‘povo’ (uma das grandes discussões do filme) e se confunde com o revolucionario, que expressa uma opinião contestante a tudo o que está acontecendo. Assim, as cenas transcendem sem entendermos se os personagens estão cantando ou não - a música é um elemento importante no filme para a formação do ambiente de cada cena. Esse fator é somado a que os personagens são políticos discutindo com um poeta.
Talvez não foi nada disso que chamou a atenção do público e crítica - na verdade, Caetano comenta que o filme não foi um sucesso de bilheteria, mas chamou a atenção dos artistas e intelectuais da esquerda carioca. O filme também é cheio de crítica social, política e até mesmo de imprensa.
Em uma matéria da Folha de S. Paulo, da sexta-feira, 19 de maio de 1967, que fala sobre o filme e sua repercussão, o cooprodutor e diretor de fotografia Luis Carlos Barreto disse que Terra em Transe não pretendia agradar ningém - realmente ninguém saiu ileso.
Transe
Até agora o filme pode parecer confuso e um pouco tumultuado, mas ele é muito mais do que isso. O transe se faz evidente quando não identificamos se estamos falando de um grande flashback ou de meras alucinações do protagonista - um artista frustrado e iludido com o mundo da política, luxuria entre outras coisas.
O segredo está em entender como a classe intelectual e artística da época estava se sentindo. Terra em Transe, diferentemente dos filmes anteriores de Glauber, foi filmado após o Golpe Militar, que derrubou João Goulart e, como em um efeito dominó, levou também alguns - quiçá todos - sonhos da geração. Assim o filme traz essa melancolia de se ver sem perspetiva e em completo desespero.
Tudo isso de uma forma que beira a loucura ou a falta de nexo entre os acontecimentos. Comícios viram grandes desfiles de escola de samba, o ditador vira uma espécie de Rei - representante de Deus e defensor da família. Paulo um guerrilheiro perdido na praia “sem lenço e sem documento”. Até mesmo Caetano admite que o filme lhe pareceu desigual.
Talvez não foi nada disso que chamou a atenção do público e crítica. O filme mostra também um artista totalmente alienado em suas próprias ideias e conceitos de beleza e vida e tropeçando entre suas vontades egoístas - ou egocêntricas. O que pode ser confundido facilmente com um político ou líder religioso.
Escrito por Marcel Marques
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